segunda-feira, 24 de junho de 2013

Cursos Online Abertos e Massivos - rebatendo uma crítica

Recentemente li um artigo bem interessante criticando duramente a onda de Cursos Online Abertos e Massivos (Massive Open Online Courses - MOOC, sigla em inglês). Está em inglês e você pode acessar aqui.
MOOCs estão em grande alta hoje em dia

Posteriormente vou fazer um artigo mais completo sobre MOOCs. Este artigo se remete mesmo à matéria e tento comentar várias afirmações fortes ou equivocadas. Para entender o contexto, vou fazer uma introdução.

MOOCs são cursos gratuitos que qualquer um pode se inscrever, assistir a palestras e interagir com outros alunos para discutir o conteúdo das palestras e outros recursos, fazer atividades/exercícios e trabalhos/projetos. Existem grandes empresas/plataformas desse tipo de curso: Coursera, Udacity e edX. Entre no site, se cadastre em um curso e experimente, é realmente interessante. Muitos alunos, reportagens em jornais e tudo mais.

Só que o assunto começou a ficar delicado quando uma faculdade começou a aceitar disciplinas de cursos MOOC como créditos para cursos regulares. Isso mexe com o bolso das faculdades dos Estados Unidos e as pessoas começaram a ter medo. O artigo que vou comentar expressa esse medo.

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O artigo pergunta "COULD THE BEST ONLINE COURSES ONE DAY BE AS REWARDING, INFORMATIVE AND USEFUL AS A REAL CLASS?"

O primeiro ponto que vejo nessa pergunta é a distinção entre "cursos online" e "aulas reais", como se cursos online não fossem reais. Isso já mostra a visão do autor que prefere cursos não online aos cursos online. Segundo, ele compara o "melhor curso online" com uma aula "real" normal, sem especificar qual, como se qualquer aula não online fosse benéfica.

Minha resposta para essa pergunta é um grande sim. Tenho essa opinião porque acredito que cada objetivo pedagógico possa ser alcançado de uma maneira bem eficiente usando diversos métodos e abordagens, seja online, presencial, individual, etc. É impossível afirmar que para todos os objetivos pedagógicos o meio online é pior do que o presencial.

Em seguida, o artigo cita uma carta aberta que diz: IN ADDITION TO PROVIDING STUDENTS WITH AN OPPORTUNITY TO ENGAGE WITH ACTIVE SCHOLARS, EXPERTISE IN THE PHYSICAL CLASSROOM, SENSITIVITY TO ITS DIVERSITY, AND FAMILIARITY WITH ONE'S OWN STUDENTS ARE SIMPLY NOT AVAILABLE IN A ONE-SIZE-FITS-ALL BLENDED COURSE PRODUCED BY AN OUTSIDE VENDOR.

Aqui eu vou encanar com o "one-size-fits-all course". Essa afirmação diz que pelo fato do MOOC ser um curso padrão, ele não atenderia à diversidade que os cursos presenciais atendem. Isso é verdade, o MOOC serve para atender a alguns objetivos pedagógicos, e pode haver cursos presenciais que atendam a objetivos diferentes. Então não dá para substituir todos os cursos presenciais/locais com MOOCs. Mas essa não é uma desvantagem particular desses cursos, todos os cursos de todos os professores não atendem a quaisquer objetivos pedagógicos.

Essa seria, sim, uma desvantagem das políticas públicas, ou políticas de uma universidade, de adotar indiscriminadamente MOOCs para substituírem seus cursos específicos. Isso é muito ruim. Provavelmente esse é o medo da pessoa que escreveu o artigo e eu concordo com ela nesse ponto.

Outra coisa ruim, e relacionada a essa, que acontece em todos os lugares do mundo, é o "one-size-fits-all" em cursos presenciais!! Conversei com muitos professores em minha vida, e eles sempre falam: "preparar aula é difícil na primeira vez, depois é só arrumar uns errinhos e atualizar algumas coisas". Isso para mim é a mesma coisa: o professor preparou uma disciplina e dá do mesmo jeito todos os anos, independentemente dos objetivos pedagógicos do curso que se insere. Isso pode ser uma desvantagem atual dos cursos presenciais, já que os online são geralmente cursos originais ou presenciais reformulados.

WE FEAR THAT TWO CLASSES OF UNIVERSITIES WILL BE CREATED: ONE, WELL-FUNDED COLLEGES AND UNIVERSITIES IN WHICH PRIVILEGED STUDENTS GET THEIR OWN REAL PROFESSOR; THE OTHER, FINANCIALLY STRESSED PRIVATE AND PUBLIC UNIVERSITIES IN WHICH STUDENTS WATCH ... VIDEOTAPED LECTURES AND INTERACT ... WITH A PROFESSOR THAT THIS MODEL OF EDUCATION HAS TURNED INTO A GLORIFIED TEACHING ASSISTANT.

Novamente, esse é um problema da forma com que as universidades usam a abordagem MOOC, e não da abordagem em si. Mesmo assim, gostaria de comentar outros pontos levantados por esse trecho. Professores que dão cursos online também são reais. Nem toda universidade com professores reais é boa. Cursos online não são apenas baseados em palestras, e cursos presenciais muitas vezes são mais pesados em palestras do que alguns online. Por fim, "teacher assistant" ou monitor de cursos online é uma profissão muito subestimada hoje em dia. Ela exige muito conhecimento e habilidades que hoje em dia nem temos bem definidas.

Outro trecho segue assim: BUT IF ACADEMICS ARE RESPONDING WITH HOSTILITY TO THE IDEA OF BEING REPLACED BY GLORIFIED YOUTUBE VIDEOS, IT'S ALSO OBVIOUS THAT THERE'S A REAL APPETITE FOR ONLINE LEARNING, AND THAT IT IS COLOSSAL.

Sobre a primeira parte da frase. Se existem professores hostis a vídeos gravados, é porque eles têm medo das pessoas acharem que o vídeo gravado é melhor do que a sua aula. Eu acho que se o vídeo gravado for melhor do que a aula, ele deve substituí-la sim! (parafraseando Sugata Mitra). Os professores hoje devem analisar as possibilidades disponíveis e melhorar a sua forma de trabalhar, e não reclamarem que serão substituídos por serem ruins.

Sobre a segunda parte. É bem possível que haja um grande apetite por conteúdo online porque o conteúdo que é dado presencialmente não seja interessante, e isso contradiz argumentos do artigo. Não se deve separar as abordagens presencial e online, devemos nos apropriar do que é melhor de cada uma e usar para ensinar e aprender. Isso pode, e deve, ser feito em nível governamental, institucional, curricular e disciplinar.

Para fechar, um último trecho: SO IS "THE ANCIENT GREEKS" A SERVICEABLE INTRODUCTION TO THE HISTORY AND LITERATURE OF ANCIENT GREECE? AND HOW! IT'S FANTASTIC: SERIOUS, FUN, BEAUTIFULLY PRESENTED AND ENGAGING AS ANYTHING. WHAT IT IS NOT IS A CLASS. THERE ARE NO PAPERS, NO GRADES, NO FINAL; JUST SEVEN SHORT QUIZZES, ONE ADMINISTERED AT THE END OF EACH WEEK.

"The Anciente Greeks" é um curso online que a autora do artigo fez. Veja só o raciocínio: "O curso é uma ótima introdução ao assunto, mas não é um curso de verdade porque não há trabalho final e notas". Não concordo. Eu tive ótimas experiências de aprendizado em cursos "de verdade" que também não tiveram trabalho final e a nota era simplesmente uma burocracia. Por outro lado, tive péssimas experiências em que havia trabalho final e nota.

De qualquer forma os MOOCs ainda estão nascendo. Eles têm muito o que evoluir, incluindo em avaliação. Por exemplo, eu realmente não acharia razoável aproveitar "The Ancient Greeks" como créditos de um curso de graduação por causa de seu formato, não por ser online. Vou fazer depois um artigo sobre boa avaliação em cursos online.

Uma frase que concordo com o artigo: Estamos aqui para descobrir como usar a tecnologia para melhorar a educação de todos e para proteger o sistema educacional de depredações provocadas por empreendedores/empresas procurando lucro. Devemos ser conscientes, aproveitar o que há de bom e rejeitar o que há de ruim.

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Objetivos, Avaliação e então Aula

Nesses últimos artigos tenho feito comentários gerais sobre educação e alguns especificamente sobre ensino de engenharia. Acho que está na hora de começar a publicar textos mais voltados para professores de engenharia, ou seja, mais concretos e próximos à prática do dia a dia.

Conversando com alunos, engenheiros formados e professores de engenharia, vi que em geral temos a impressão de que a pedagogia é um monte de blá blá blá. Muita conversa e pouca ação para melhorar o ensino. Acredito que isso deve à dificuldade de comunicação entre as duas áreas. Este artigo tenta reduzir a distância entre o que se faz na pedagogia e o que os engenheiros conseguem aplicar. Basicamente é uma forma de "engenheirização" do processo de planejar e preparar aulas ou disciplinas.

Como aluno de mestrado, participei da conferência chamada Frontiers in Education em 2011. Essa é uma das maiores conferências no mundo sobre ensino de engenharia e informática aplicada à educação. Recomendo bastante a leitura dos artigos e principalmente dos workshops realizados nesses eventos.

Um dos momentos mais marcantes para mim foi a participação em uma oficina com o título: Objetivos, Avaliação e Aula. Para mim, ela resume o básico que todo professor da área de exatas/tecnológicas que não gosta de estudar pedagogia deve saber. A ideia é oferecer um guia, um método, para o professor preparar e planejar suas aulas ou uma disciplina.

Professores devem definir objetivos, depois a como avaliar como os alunos estão com relação aos objetivos, e só então planejar as aulas que devem preparar os alunos para as avaliações 

1. Defina o Objetivo Pedagógico

O "Objetivo Pedagógico" nada mais é do que "aquilo que os alunos devem ter aprendido no final da aula ou disciplina". Essa deve ser a primeira coisa definida ao pensar em uma disciplina ou aula, e muitas vezes nossos professores nem sabem o que é ou qual a importância.

Basicamente, se você não sabe, não tem em mente explícita e detalhadamente, o que os alunos devem aprender, você não vai saber o que e como ensinar. Por exemplo, ao planejar uma disciplina ou um curso de  termodinâmica, o professor pode ter como objetivo ensinar os conceitos fundamentais, ou os procedimentos para solução de problemas, ou procedimentos para projeto de dispositivos, etc.

2. Defina a Avaliação

Definir o objetivo como o primeiro passo é até uma ideia normal. O segundo passo, na minha opinião o mais inovador, é definir o método de avaliação. O método de avaliação diz quais mecanismos e processos serão utilizados pelo professor para avaliar o cumprimento dos objetivos pedagógicos definidos anteriormente.

Existem vários métodos de avaliação possíveis. Um deles é a prova escrita. Outros são trabalhos, seminários, relatórios, projetos também utilizados em cursos de engenharia. Outros não tão comuns são provas orais, avaliação por pares, redações, auto-avaliações, etc.

A avaliação deve corresponder exatamente ao objetivo pedagógico. Por exemplo, se você tem como objetivo que os alunos aprendam os conceitos fundamentais da termodinâmica, será que uma prova escrita com exercícios para o aluno fazer contas realmente avalia isso? Para mim a resposta é: depende. Existem exercícios que podem avaliar conceitos fundamentais, existem perguntas dissertativas que também fazem esse papel. O professor deve definir uma ferramenta adequada de avaliação dos alunos e então prepará-los para reponde-la satisfatoriamente.

3. Defina o Conteúdo, Atividades e as Aulas

Finalmente, o conteúdo, as atividades e as aulas devem ser planejadas e preparadas em função da avaliação. Se o professor deseja que os alunos saibam "de cor" as definições fundamentais da termodinâmica, deve prepará-los para responder a essas perguntas. Se o professor deseja que os alunos saibam resolver exercícios, deve dar aulas e atividades que ajudem os alunos a resolve-los.

As aulas devem ser muito alinhadas com as avaliações planejadas, para não frustrar os alunos e não desperdiçar trabalho do professor com conteúdos que não serão avaliados. Isso torna a etapa de definição da avaliação a mais crítica das três, pois ela tem uma influência muito grande na preparação das aulas cotidianas.

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Os pedagogos com quem conversei acham essa abordagem simplista. Eu acho que para engenheiros é ótima, pois é sistemática e simples o suficiente para entendermos e aplicarmos corretamente. Não precisamos nos preocupar tanto assim com "detalhes" da pedagogia, devemos nos concentrar naquilo que gera mais valor para aumentar a qualidade do ensino.

Um fator delicado nessa abordagem está em como realizar cada uma das etapas. Como definir bons objetivos pedagógicos? Como definir boas avaliações? Como saber que as avaliações que eu preparei realmente avaliam os objetivos que definir para a disciplina? Como analisar se as aulas que dou realmente preparam os alunos para as avaliações?

Vocês conseguem pensar em respostas para essas perguntas? Pretendo mais para frente fazer textos que exploram cada uma das etapas e também dar exemplos mais detalhados de aulas e cursos usando essa abordagem. Têm preferência em algum assunto específico? Alguma dúvida ou sugestão?

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Sobre Cotas, Vestibular e Mérito

Recentemente saiu uma reportagem sobre uma entrevista do presidente do Instituo Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) no programa Roda Viva da TV Cultura, que pode ser conferida aqui. Um dos assuntos tratados foi a utilização de cotas na seleção de alunos para as faculdades, um assunto polêmico que vou discutir um pouco neste artigo.

Cotas geralmente são uma parcela das vagas (para um curso em universidade, por exemplo) reservadas exclusivamente para um grupo de pessoas que compartilham uma característica. As mais comuns que tenho ouvido falar são cotas para alunos que estudaram apenas em escolas públicas, alunos com baixa renda, e também para pessoas de cor negra. Hoje em dia várias faculdades usam sistemas de cotas ou de facilitação para pessoas com baixa renda (pontos, bolsas, etc), principalmente as universidades federais.

Muita gente tem argumentos contra a utilização de cotas.

E outras pessoas têm argumentos a favor.

Cotas são um assunto polêmico, que gera discussões calorosas, inclusive entre os políticos. Este é um tema ainda em debate, a abrangência e o peso das cotas nas instituições públicas. O mesmo presidente do INEP disse que o rendimento dos cotistas é igual ou maior do que os não-cotistas. Porém, outro dia saiu uma notícia falando que os alunos que entram na faculdade por cotas têm nota, em geral, 10% menor do que dos alunos "normais", veja a reportagem aqui. Quem está certo? E olha que de rendimento nós engenheiros entendemos...

O pesquisador afirmou: "Encontramos diferenças razoáveis. Não são catastróficas como previam alguns críticos das ações afirmativas, mas é importante registrar que existe uma diferença para não tapar o sol com a peneira". 10% de diferença diz que, se a média geral dos alunos foi 7.0, os alunos cotistas tiveram uma média de 6.3. Mas o que isso representa de verdade? Para mim, representa pouca coisa.

Um tipo de comentário comum ao ver essa notícia é: "cotas é uma porcaria, já era esperado que cotistas fossem piores, elas diminuem a qualidade de ensino e impede pessoas que mereçam mais a entrar na faculdade". Vou dividir minha opinião em 4 partes:

Cotas é uma porcaria
Cotas são um jeito de ajudar pessoas desfavorecidas em um processo seletivo, neste caso, o vestibular. Pobres são desfavorecidos por terem menos acesso a educação de qualidade e cursos voltados à preparação para a prova. Por isso, as cotas reservam um mínimo de vagas para certas pessoas, "dando um empurrão" para aqueles que foram quase bem, mas não passariam se não houvesse as cotas.

Para mim essa é uma ação assistencialista e imediatista. Ela ajuda a dar acesso a educação superior de qualidade a pessoas que normalmente não teriam, mas a abrangência ainda é pequena e o efeito disso é muito mais imediato do que permanente. Para resolver o problema de acesso à educação superior de qualidade deve haver (pelo menos simultaneamente às cotas) várias outras ações, sendo uma muito importante o aumento da qualidade do ensino público básico.

Já era esperado que cotistas fossem piores
Assumindo que a nota no vestibular reflete, em média, o "rendimento" dos alunos ao longo da graduação, é possível afirmar isso. Eu não sei se temos dados que afirmam esse raciocínio. Em minha graduação, acredito que há um desvio padrão muito grande na distribuição da posição das pessoas no vestibular e ao concluir o curso.

Além disso, há muitos outros fatores que envolvem a nota de um aluno durante a graduação. Se ele trabalha ou não, se ele se identifica com o curso ou não, se ele se dedica a ele, se ele escolhe as disciplinas mais "fáceis", são apenas alguns exemplos. Será que isso permite que utilizemos a nota do aluno como um indicador único do rendimento de um aluno.

Além disso, 10% de diferença é significativo? Eu não sei. Mesmo que seja significativo, em uma das discussões um amigo meu perguntou brilhantemente: "Não deveríamos comparar os piores com os melhores atuais, mas deveríamos comparar a diferença entre os melhores e piores de antes (sem cotas) com os atuais (com cota)". Não vi ninguém fazer essa comparação, e acredito que ela não vai mostrar números muito grandes.

Cotas diminuem a qualidade de ensino
A ideia que justifica essa afirmação é a seguinte: "Cotas permitem que alunos que tiram nota menor no vestibular entrem na universidade. Esses alunos são piores do que aqueles que entrariam caso não houvessem cotas, pois suas notas no vestibular são maiores. Turmas com alunos que tiraram menor nota no vestibular são piores, logo a qualidade de ensino cai." Isso está muito relacionado à questão logo acima.

As pessoas veem os cursos com baixa procura, mesmo nas "melhores" universidades, e falam que pelo fato do processo seletivo ser "muito fácil", os alunos entram sem base nenhuma. As cotas trariam esse problema para todos os cursos. Acho isso muito difícil, porque geralmente a diferença de resultado no vestibular entre o que entraria sem cota e o que entrou no lugar dele não deve ser muito grande. Alguém conhece algum estudo que fala sobre isso?

De qualquer forma, a qualidade do ensino é afetada por muitos fatores além do resultado do vestibular dos alunos que entram nele. Por exemplo a competência dos professores, a estrutura da faculdade, a vontade dos dirigentes, a relação com outras instituições e empresas, etc. Inclusive, permitir que a qualidade de ensino de uma instituição caia por causa da queda da nota média dos alunos que entram no vestibular é um sinal de fraqueza, de uma sensibilidade que um curso robusto não deveria ter.

Cotas impedem que pessoas com maior mérito passem no vestibular
A ideia que justifica essa afirmação é que a pessoa que tirou melhor resultado no vestibular tem mais mérito do que a pessoa que tirou pior resultado e passou por causa da cota. Por trás disso está a premissa de que o resultado do vestibular, sozinho, verifica precisa e exatamente o mérito de uma pessoa. Isso está longe, mas muito longe de ser verdade.

A comparação mais básica que vem em minha mente é a de um aluno rico e de um pobre. O rico sempre estudou em escola particular boa, o pobre sempre em pública ruim, conseguiu bolsa parcial em algum cursinho que os pais se matam para pagar (ou mesmo que ele paga trabalhando de dia). O rico consegui 70 pontos e o pobre 65. Por causa da cota o pobre passa na frente do rico. Quem será que merece mais? Quem se esforçou mais?

Com essa simples descrição ainda é impossível responder com firmeza a essa pergunta. Mas eu tenho a tendência a dizer que, em geral, o pobre se esforçou e por isso merece mais. Claro que eu estou usando o resultado e o esforço como forma de medir o mérito, se eu usasse apenas o resultado não poderia afirmar a mesma coisa. Eu poderia inclusive considerar vários outros fatores que influenciam o mérito, como contexto social, exemplos de pessoas incentivadoras, etc.

Vestibular não mede mérito, mede (e olhe lá, depois vou escrever um artigo sobre como fazer uma prova que mede superficialmente alguma coisa) o quanto o aluno consegue responder em uma única prova (e outras condições específicas de cada prova) com relação a um conjunto de conteúdos pré-definidos, muitas vezes enfiados goela abaixo dos adolescentes que não têm ideia do que estão estudando.

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Explorei alguns aspectos das cotas que geralmente não são abordados nas discussões. Vocês concordam com o que eu disse? Acha que eu esqueci de citar algo? ou mesmo exagerei em considerar outro fator? Esse é um assunto bem delicado e polêmico, seria muito interessante saber a opinião de vocês.

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Mudança nos Currículos dos cursos de engenharia

Recentemente saiu uma matéria muito interessante no jornal Estadão, que você pode conferir aqui. Essa matéria fala bastante das mudanças que a Escola Politécnica da USP está fazendo em seu currículo e o contexto em que essa alteração se insere.

Primeiro eu vou resumir o meu entendimento da reportagem, depois vou comentar. O foco da reportagem é a mudança do currículo da Poli-USP. A ideia é fazer um currículo mais generalista, com cursos menos distantes entre si. Para isso o aluno vai fazer disciplinas de engenharia (não apenas matemática e física) desde o primeiro ano do curso, e no final vai poder cursar conjuntos de disciplinas de outras engenharias e também da pós-graduação. Cada aluno terá um "professor-tutor", para ajudar nas escolhas das disciplinas.

Currículos mais generalistas contra mais especialistas, essa é a resposta?

Além disso, a reportagem cita o ITA, que está reformulando seus cursos também. Essa reformulação se baseia em focar em novos campos, como engenharia física, e em inovação/empreendedorismo. Fala do Insper, escola de administração e economia que vai abrir cursos de engenharia em 2015 com foco também em inovação e empreendedorismo. Em seguida, descreve cursos da UFABC, em que desde 2006 o aluno entra no curso de bacharelado em ciência e tecnologia e depois escolhe qual engenharia seguir.

Na parte final, fala de dois alunos que estudaram engenharia no exterior, na França e no Canadá, procurando melhor formação (já que o Brasil está longe desses países). Um rapaz estudou em Paris e teve aula de finanças, gestão e biotecnologia. O que foi para o Canadá estudou antropologia e sociologia.


Seguem abaixo alguns comentários:

Currículos mais generalistas em vez de mais especialistas
O que faz de um engenheiro um bom engenheiro? Essa é uma pergunta difícil que vou deixar para explorar em uma outra ocasião. De qualquer forma, eu acho ótimo os responsáveis por reformas no currículo terem em mente o perfil de profissional que desejam formar. Espero que eles também tenham em mente bem definidas as competências que definem esse perfil, e as ações cotidianas dos professores e da própria instituição que vão ajudar os alunos a desenvolvê-las.

Acredito que a melhor universidade é aquela que permite ao aluno explorar seu maior potencial. Então caminhar na direção de permitir que o aluno faça uma graduação mais generalista ou mais especialista é muito bom. Aproximar cursos é bom, sempre achei ridículas as disputas entre cursos da engenharia, para ver qual tinha a prova mais difícil... 

Agora, uma reforma que eu acredito ser mais importante do que aproximar os cursos de engenharia é aproximar as disciplinas de engenharia. Minha experiência, e aquela que vejo de todo mundo com quem converso, é de que as disciplinas são distantes umas das outras, mesmo que o assunto seja muito próximo. Facilitar que o aluno enxergue a relação entre as disciplinas, os raciocínios comuns e os diferentes, que aproveite conceitos de uma em outra, é essencial! Isso exige um trabalho de equipe dos professores de um curso. Espero que a reforma do curso da Poli tenha algum esforço também nessa direção.

Fazer disciplinas "de engenharia" desde o primeiro ano
Eu acho muito engraçado dizer isso, separar disciplinas "de engenharia" daquelas de "matemática e física". Todas as disciplinas de um curso de engenharia deveriam ser "de engenharia", sejam elas ensinando cálculo ou processamento de sinais. O que faz a disciplina ser "de engenharia" ou não é o foco, a forma de ensinar a pensar. Eu acho que isso deveria estar em todas as disciplinas dos cursos.

Apesar disso, acredito que trazer assuntos técnicos para o início do curso é interessante, mas não é nada "inovador". Cursos vêm fazendo isso há muito tempo. Espero que seja bem feita essa alteração, pois o início do curso é muito importante para a relação do aluno com a graduação e com sua formação pelo resto da vida.

Empreendedorismo na engenharia
Eu já fiz um tópico sobre esse assunto, você pode conferir aqui. A engenharia e a inovação estão muito próximas conceitualmente, mas em geral muito distantes no dia a dia dos cursos de graduação. Essa reformulação, citando Poli, ITA e futuramente o Insper, é bem vinda na minha opinião. Acredito que isso esteja em pauta por causa da bolha de startups que se formou na última década, e as instituições de ensino devem refletir o mercado.

Tenho um medo com relação a isso. Hoje fazemos cursos de engenharia, e pela sequência absurda de disciplinas de fazer conta aprendemos a ter bom raciocínio lógico e matemático (competência que o mercado de trabalho adora). Esse é um dos métodos mais "força bruta" para se ensinar uma competência, e acredito que exista muitos outros tremendamente mais eficientes. Espero que para ensinar design, inovação e empreendedorismo as instituições de ensino não apliquem também o método "força bruta".

Professor tutor para ajudar os alunos a escolherem disciplinas
Ter um professor tutor para cada aluno é para mim uma ideia fantástica! Pobres alunos que chegam na faculdade de engenharia com 17-18 anos, sem saber nada da vida além de repetir os exercícios do vestibular, devem começar a pensar sozinhos e aguentar a faculdade. Professores tutores podem acompanhar a vida acadêmica dos alunos e aconselhá-los com relação a vários fatores, como estudar melhor, que atividades extra-curriculares fazer, que estágio procurar, etc.

Escolher disciplinas é uma pequena contribuição que professores tutores podem ter a alunos. Espero que não seja a única.

O Brasil está muito longe de outros países
Eu fiz intercâmbio e estudei na 5a melhor escola de engenharia da França. Sim, eles mantêm uma classificação das escolas de engenharia que pontuam cada uma com precisão de 0,5 ponto! O que eu acho um absurdo. Minha experiência com o ensino de lá foi bem marcante, e eu digo, minha faculdade no Brasil no geral é tão boa quanto a que estudei no estrangeiro. Há vantagens e desvantagens em cada uma das abordagens, e por isso não concordo com a visão que a reportagem tem.

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Poxa, já escrevi demais. Vocês gostariam que eu comentasse sobre algum ponto que não abordei? Ou que explicasse mais sobre algum raciocínio mal descrito? Podem comentar que escrevo em seguida de acordo com os pedidos!