segunda-feira, 10 de junho de 2013

Sobre Cotas, Vestibular e Mérito

Recentemente saiu uma reportagem sobre uma entrevista do presidente do Instituo Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) no programa Roda Viva da TV Cultura, que pode ser conferida aqui. Um dos assuntos tratados foi a utilização de cotas na seleção de alunos para as faculdades, um assunto polêmico que vou discutir um pouco neste artigo.

Cotas geralmente são uma parcela das vagas (para um curso em universidade, por exemplo) reservadas exclusivamente para um grupo de pessoas que compartilham uma característica. As mais comuns que tenho ouvido falar são cotas para alunos que estudaram apenas em escolas públicas, alunos com baixa renda, e também para pessoas de cor negra. Hoje em dia várias faculdades usam sistemas de cotas ou de facilitação para pessoas com baixa renda (pontos, bolsas, etc), principalmente as universidades federais.

Muita gente tem argumentos contra a utilização de cotas.

E outras pessoas têm argumentos a favor.

Cotas são um assunto polêmico, que gera discussões calorosas, inclusive entre os políticos. Este é um tema ainda em debate, a abrangência e o peso das cotas nas instituições públicas. O mesmo presidente do INEP disse que o rendimento dos cotistas é igual ou maior do que os não-cotistas. Porém, outro dia saiu uma notícia falando que os alunos que entram na faculdade por cotas têm nota, em geral, 10% menor do que dos alunos "normais", veja a reportagem aqui. Quem está certo? E olha que de rendimento nós engenheiros entendemos...

O pesquisador afirmou: "Encontramos diferenças razoáveis. Não são catastróficas como previam alguns críticos das ações afirmativas, mas é importante registrar que existe uma diferença para não tapar o sol com a peneira". 10% de diferença diz que, se a média geral dos alunos foi 7.0, os alunos cotistas tiveram uma média de 6.3. Mas o que isso representa de verdade? Para mim, representa pouca coisa.

Um tipo de comentário comum ao ver essa notícia é: "cotas é uma porcaria, já era esperado que cotistas fossem piores, elas diminuem a qualidade de ensino e impede pessoas que mereçam mais a entrar na faculdade". Vou dividir minha opinião em 4 partes:

Cotas é uma porcaria
Cotas são um jeito de ajudar pessoas desfavorecidas em um processo seletivo, neste caso, o vestibular. Pobres são desfavorecidos por terem menos acesso a educação de qualidade e cursos voltados à preparação para a prova. Por isso, as cotas reservam um mínimo de vagas para certas pessoas, "dando um empurrão" para aqueles que foram quase bem, mas não passariam se não houvesse as cotas.

Para mim essa é uma ação assistencialista e imediatista. Ela ajuda a dar acesso a educação superior de qualidade a pessoas que normalmente não teriam, mas a abrangência ainda é pequena e o efeito disso é muito mais imediato do que permanente. Para resolver o problema de acesso à educação superior de qualidade deve haver (pelo menos simultaneamente às cotas) várias outras ações, sendo uma muito importante o aumento da qualidade do ensino público básico.

Já era esperado que cotistas fossem piores
Assumindo que a nota no vestibular reflete, em média, o "rendimento" dos alunos ao longo da graduação, é possível afirmar isso. Eu não sei se temos dados que afirmam esse raciocínio. Em minha graduação, acredito que há um desvio padrão muito grande na distribuição da posição das pessoas no vestibular e ao concluir o curso.

Além disso, há muitos outros fatores que envolvem a nota de um aluno durante a graduação. Se ele trabalha ou não, se ele se identifica com o curso ou não, se ele se dedica a ele, se ele escolhe as disciplinas mais "fáceis", são apenas alguns exemplos. Será que isso permite que utilizemos a nota do aluno como um indicador único do rendimento de um aluno.

Além disso, 10% de diferença é significativo? Eu não sei. Mesmo que seja significativo, em uma das discussões um amigo meu perguntou brilhantemente: "Não deveríamos comparar os piores com os melhores atuais, mas deveríamos comparar a diferença entre os melhores e piores de antes (sem cotas) com os atuais (com cota)". Não vi ninguém fazer essa comparação, e acredito que ela não vai mostrar números muito grandes.

Cotas diminuem a qualidade de ensino
A ideia que justifica essa afirmação é a seguinte: "Cotas permitem que alunos que tiram nota menor no vestibular entrem na universidade. Esses alunos são piores do que aqueles que entrariam caso não houvessem cotas, pois suas notas no vestibular são maiores. Turmas com alunos que tiraram menor nota no vestibular são piores, logo a qualidade de ensino cai." Isso está muito relacionado à questão logo acima.

As pessoas veem os cursos com baixa procura, mesmo nas "melhores" universidades, e falam que pelo fato do processo seletivo ser "muito fácil", os alunos entram sem base nenhuma. As cotas trariam esse problema para todos os cursos. Acho isso muito difícil, porque geralmente a diferença de resultado no vestibular entre o que entraria sem cota e o que entrou no lugar dele não deve ser muito grande. Alguém conhece algum estudo que fala sobre isso?

De qualquer forma, a qualidade do ensino é afetada por muitos fatores além do resultado do vestibular dos alunos que entram nele. Por exemplo a competência dos professores, a estrutura da faculdade, a vontade dos dirigentes, a relação com outras instituições e empresas, etc. Inclusive, permitir que a qualidade de ensino de uma instituição caia por causa da queda da nota média dos alunos que entram no vestibular é um sinal de fraqueza, de uma sensibilidade que um curso robusto não deveria ter.

Cotas impedem que pessoas com maior mérito passem no vestibular
A ideia que justifica essa afirmação é que a pessoa que tirou melhor resultado no vestibular tem mais mérito do que a pessoa que tirou pior resultado e passou por causa da cota. Por trás disso está a premissa de que o resultado do vestibular, sozinho, verifica precisa e exatamente o mérito de uma pessoa. Isso está longe, mas muito longe de ser verdade.

A comparação mais básica que vem em minha mente é a de um aluno rico e de um pobre. O rico sempre estudou em escola particular boa, o pobre sempre em pública ruim, conseguiu bolsa parcial em algum cursinho que os pais se matam para pagar (ou mesmo que ele paga trabalhando de dia). O rico consegui 70 pontos e o pobre 65. Por causa da cota o pobre passa na frente do rico. Quem será que merece mais? Quem se esforçou mais?

Com essa simples descrição ainda é impossível responder com firmeza a essa pergunta. Mas eu tenho a tendência a dizer que, em geral, o pobre se esforçou e por isso merece mais. Claro que eu estou usando o resultado e o esforço como forma de medir o mérito, se eu usasse apenas o resultado não poderia afirmar a mesma coisa. Eu poderia inclusive considerar vários outros fatores que influenciam o mérito, como contexto social, exemplos de pessoas incentivadoras, etc.

Vestibular não mede mérito, mede (e olhe lá, depois vou escrever um artigo sobre como fazer uma prova que mede superficialmente alguma coisa) o quanto o aluno consegue responder em uma única prova (e outras condições específicas de cada prova) com relação a um conjunto de conteúdos pré-definidos, muitas vezes enfiados goela abaixo dos adolescentes que não têm ideia do que estão estudando.

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Explorei alguns aspectos das cotas que geralmente não são abordados nas discussões. Vocês concordam com o que eu disse? Acha que eu esqueci de citar algo? ou mesmo exagerei em considerar outro fator? Esse é um assunto bem delicado e polêmico, seria muito interessante saber a opinião de vocês.

Um comentário:

  1. Pra mim, as cotas, como são oferecidas hoje, são uma solução imediatista, mas como nenhuma outra ação as acompanha, são tratadas como a solução final para um problema que é, em sua essência, estrutural. Acontece que é uma solução a custo zero, portanto sempre será a escolhida pelos governantes.
    (Tinha outro assunto polêmico recente que também foi tratado assim, com medidas de custo zero, mas eu não consigo me lembrar agora. Enfim... Se for barato, tá bom. E o povo engole).

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