segunda-feira, 3 de junho de 2013

Mudança nos Currículos dos cursos de engenharia

Recentemente saiu uma matéria muito interessante no jornal Estadão, que você pode conferir aqui. Essa matéria fala bastante das mudanças que a Escola Politécnica da USP está fazendo em seu currículo e o contexto em que essa alteração se insere.

Primeiro eu vou resumir o meu entendimento da reportagem, depois vou comentar. O foco da reportagem é a mudança do currículo da Poli-USP. A ideia é fazer um currículo mais generalista, com cursos menos distantes entre si. Para isso o aluno vai fazer disciplinas de engenharia (não apenas matemática e física) desde o primeiro ano do curso, e no final vai poder cursar conjuntos de disciplinas de outras engenharias e também da pós-graduação. Cada aluno terá um "professor-tutor", para ajudar nas escolhas das disciplinas.

Currículos mais generalistas contra mais especialistas, essa é a resposta?

Além disso, a reportagem cita o ITA, que está reformulando seus cursos também. Essa reformulação se baseia em focar em novos campos, como engenharia física, e em inovação/empreendedorismo. Fala do Insper, escola de administração e economia que vai abrir cursos de engenharia em 2015 com foco também em inovação e empreendedorismo. Em seguida, descreve cursos da UFABC, em que desde 2006 o aluno entra no curso de bacharelado em ciência e tecnologia e depois escolhe qual engenharia seguir.

Na parte final, fala de dois alunos que estudaram engenharia no exterior, na França e no Canadá, procurando melhor formação (já que o Brasil está longe desses países). Um rapaz estudou em Paris e teve aula de finanças, gestão e biotecnologia. O que foi para o Canadá estudou antropologia e sociologia.


Seguem abaixo alguns comentários:

Currículos mais generalistas em vez de mais especialistas
O que faz de um engenheiro um bom engenheiro? Essa é uma pergunta difícil que vou deixar para explorar em uma outra ocasião. De qualquer forma, eu acho ótimo os responsáveis por reformas no currículo terem em mente o perfil de profissional que desejam formar. Espero que eles também tenham em mente bem definidas as competências que definem esse perfil, e as ações cotidianas dos professores e da própria instituição que vão ajudar os alunos a desenvolvê-las.

Acredito que a melhor universidade é aquela que permite ao aluno explorar seu maior potencial. Então caminhar na direção de permitir que o aluno faça uma graduação mais generalista ou mais especialista é muito bom. Aproximar cursos é bom, sempre achei ridículas as disputas entre cursos da engenharia, para ver qual tinha a prova mais difícil... 

Agora, uma reforma que eu acredito ser mais importante do que aproximar os cursos de engenharia é aproximar as disciplinas de engenharia. Minha experiência, e aquela que vejo de todo mundo com quem converso, é de que as disciplinas são distantes umas das outras, mesmo que o assunto seja muito próximo. Facilitar que o aluno enxergue a relação entre as disciplinas, os raciocínios comuns e os diferentes, que aproveite conceitos de uma em outra, é essencial! Isso exige um trabalho de equipe dos professores de um curso. Espero que a reforma do curso da Poli tenha algum esforço também nessa direção.

Fazer disciplinas "de engenharia" desde o primeiro ano
Eu acho muito engraçado dizer isso, separar disciplinas "de engenharia" daquelas de "matemática e física". Todas as disciplinas de um curso de engenharia deveriam ser "de engenharia", sejam elas ensinando cálculo ou processamento de sinais. O que faz a disciplina ser "de engenharia" ou não é o foco, a forma de ensinar a pensar. Eu acho que isso deveria estar em todas as disciplinas dos cursos.

Apesar disso, acredito que trazer assuntos técnicos para o início do curso é interessante, mas não é nada "inovador". Cursos vêm fazendo isso há muito tempo. Espero que seja bem feita essa alteração, pois o início do curso é muito importante para a relação do aluno com a graduação e com sua formação pelo resto da vida.

Empreendedorismo na engenharia
Eu já fiz um tópico sobre esse assunto, você pode conferir aqui. A engenharia e a inovação estão muito próximas conceitualmente, mas em geral muito distantes no dia a dia dos cursos de graduação. Essa reformulação, citando Poli, ITA e futuramente o Insper, é bem vinda na minha opinião. Acredito que isso esteja em pauta por causa da bolha de startups que se formou na última década, e as instituições de ensino devem refletir o mercado.

Tenho um medo com relação a isso. Hoje fazemos cursos de engenharia, e pela sequência absurda de disciplinas de fazer conta aprendemos a ter bom raciocínio lógico e matemático (competência que o mercado de trabalho adora). Esse é um dos métodos mais "força bruta" para se ensinar uma competência, e acredito que exista muitos outros tremendamente mais eficientes. Espero que para ensinar design, inovação e empreendedorismo as instituições de ensino não apliquem também o método "força bruta".

Professor tutor para ajudar os alunos a escolherem disciplinas
Ter um professor tutor para cada aluno é para mim uma ideia fantástica! Pobres alunos que chegam na faculdade de engenharia com 17-18 anos, sem saber nada da vida além de repetir os exercícios do vestibular, devem começar a pensar sozinhos e aguentar a faculdade. Professores tutores podem acompanhar a vida acadêmica dos alunos e aconselhá-los com relação a vários fatores, como estudar melhor, que atividades extra-curriculares fazer, que estágio procurar, etc.

Escolher disciplinas é uma pequena contribuição que professores tutores podem ter a alunos. Espero que não seja a única.

O Brasil está muito longe de outros países
Eu fiz intercâmbio e estudei na 5a melhor escola de engenharia da França. Sim, eles mantêm uma classificação das escolas de engenharia que pontuam cada uma com precisão de 0,5 ponto! O que eu acho um absurdo. Minha experiência com o ensino de lá foi bem marcante, e eu digo, minha faculdade no Brasil no geral é tão boa quanto a que estudei no estrangeiro. Há vantagens e desvantagens em cada uma das abordagens, e por isso não concordo com a visão que a reportagem tem.

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Poxa, já escrevi demais. Vocês gostariam que eu comentasse sobre algum ponto que não abordei? Ou que explicasse mais sobre algum raciocínio mal descrito? Podem comentar que escrevo em seguida de acordo com os pedidos!

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