segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Valores ao Planejar uma Disciplina

Alguns artigos atrás comentei que seria professor de uma disciplina chamada Programação Orientada a Objetos para o 2o semestre de 2013 em uma faculdade particular. Fiz um artigo sobre como iniciei o planejamento da disciplina, acesse ele aqui. Infelizmente, ou felizmente, a contratação não foi efetivada e parei de trabalhar na preparação dessa disciplina.

Mais recentemente, fui contratado para lecionar a disciplina "Linguagem de Programação para Ambientes de Redes II" na Fatec. Fiquei muito feliz com a oportunidade, e feliz também por não ter sido contratado pela faculdade particular, pois prefiro trabalhar para instituições que não visam lucro (apesar dos vários problemas que o governo possui). Esse é um dos motivos que me afastaram das publicações semanais deste Blog.

 Agora serei professor do curso de redes - desbravando novas áreas

Para retomar o ritmo das publicações, vou fazer um simples relato dos meus valores ao planejar essa nova disciplina.
  1. A disciplina não pode ignorar o curso em que está inserida. Cursos diferentes têm alunos com interesses diferentes.
  2. A disciplina deve estar integrada com as outras do mesmo semestre. Professores devem sincronizar os conteúdos abordados.
  3. A disciplina deve mesclar os interesses dos alunos com os definidos no currículo. O professor deve ser o mediador dos conflitos.
  4. A disciplina deve ter objetivos explícitos. As provas/avaliações devem ser preparadas para cobrir os objetivos pedagógicos, e não apenas os conteúdos.
Abaixo explico cada um deles:

A disciplina não pode ignorar o curso em que está inserida. Cursos diferentes têm alunos com interesses diferentes.

A ementa que recebi para a disciplina que serei responsável trata de programação de scripts para terminais Linux, isso reflete nos livros da bibliografia obrigatória: programação em shell, manual de shell, etc. Assim, eu poderia simplesmente seguir o livro-texto sugerido pelo currículo e passar aos alunos conteúdos de shellscript.

Porém, como a disciplina é do curso de Tecnologia em Redes, os alunos não se interessam por programação sem contexto (como é o caso dos livros de shellscript). Isso seria adaptado para alunos que gostam de programar em geral. Assim, decidi que a disciplina vai ser mais voltada à criação de scripts que usam comandos e resolvem problemas de administração e redes.

Com muita sorte, encontrei um livro chamado Automação de Administração Linux. Esse livro assume que você já sabe programar em shellscript e aplica esses conhecimentos para problemas específicos que provavelmente vão interessar os alunos do curso de redes. Então, defini que meu papel como professor vai ser de ponte entre os conhecimentos básicos de shellscript e sua aplicação em problemas interessantes.

Acho ruim eu precisar dessa iniciativa para fazer um trabalho interessante para os alunos. O próprio currículo deveria dar uma base e auxiliar o professor a motivar os alunos. Mas esse é papo para outro artigo.

A disciplina deve estar integrada com as outras do mesmo semestre. Professores devem sincronizar os conteúdos abordados.

Para planejar a disciplina, estou tentando conversar bastante com professores de outras disciplinas que os alunos têm concomitantemente. Selecionei as disciplinas de Sistemas Operacionais para Redes e Administração de Redes. Assim, estou conversando com os professores delas para tentar organizar a minha disciplina de forma sincronizada com a deles.

Por exemplo, minha disciplina trata de scripts para automação de soluções de problemas de administração de redes. Então, é muito interessante eu abordar um tema/situação/problema/comando que foi recentemente visto na disciplina de Administração de Redes, mas com a adição de incluir scripts na jogada. Da mesma maneira, problemas e procedimentos da disciplina de Sistemas Operacionais podem ser resolvidos e automatizados usando scripts na minha disciplina, uma ou duas semanas depois de terem sido tratados pela primeira vez.

Em vários momentos da minha formação consegui enxergar problemas graves nos conteúdos das disciplinas pelo simples fato dos professores não conversarem entre si para sincronizar o conteúdo. É uma tarefa simples que pode trazer muitos benefícios aos alunos.

A disciplina deve mesclar os interesses dos alunos com os definidos no currículo. O professor deve ser o mediador dos conflitos.

Ainda que eu prepare o curso entendendo o contexto em que ele está (o curso, a faculdade, etc.), cada aluno possui seus interesses particulares. Assim, o professor deve considerar os interesses dos alunos individualmente, em conjunto com aqueles gerais para o curso, e relacioná-los com os objetivos explicitados pelo currículo.

Na prática é o seguinte. Mesmo que o professor trate de assuntos de rede em uma disciplina de programação, os alunos podem se sentir frustrados porque têm interesses em problemas específicos de redes, não tratados pelo professor. Segurança por exemplo. Se os alunos estiverem mais interessados em segurança e o professor passar só problemas sobre processamento em rede, apesar de contextualizados eles não interessarão os alunos.

Por isso, o programa do curso que preparei não contém explicitamente os conteúdos que serão abordados em cada aula. Eu vou preenchê-los gradualmente com o avanço da disciplina. Quero perceber ao longo das aulas como os alunos evoluem e como seus interesses se manifestam. Assim, nas aulas subsequentes eu prepararei conteúdos mais motivadores para eles. Tudo isso deve ter em mente também a ementa da disciplina.

Além disso, a primeira aula é separada exclusivamente para conhecer os alunos. Nela eu vou perguntar a eles o que gostam, o que querem fazer, em que querem trabalhar, etc. Isso vai me ajudar a preparar um programa para a disciplina que seja a intersecção entre os objetivos deles e a ementa.

A disciplina deve ter objetivos explícitos. As provas/avaliações devem ser preparadas para cobrir os objetivos pedagógicos, e não apenas os conteúdos.

Uma das minhas maiores lutas como professor é não cair no tradicional e ubíquo foco no conteúdo que as instituições, professores e alunos têm quando falam de ensino e educação. Em quase todo lugar e com quase todos que converso, currículos são preparados organizando exclusivamente conteúdos, aulas são preparadas em função apenas do conteúdo, alunos não conseguem entender nenhuma habilidade/atitude além daquilo que é abordado pelo conteúdo.

Defendo que em vez de conteúdo, o foco do ensino e da educação devem ser os objetivos pedagógicos. Os objetivos devem contemplar o conteúdo, mas não se limitar a ele. Educação é um processo muito complexo que envolve diversos fatores além dos conteúdos. Focar apenas em conteúdo é limitar a atuação do professor, prejudicando sua influência e a qualidade de seu trabalho.

No meu caso tenho como objetivos desenvolver o trabalho em equipe dos alunos, a capacidade de procurar e encontrar soluções de problemas difíceis pela Internet, a iniciativa de resolver problemas, a capacidade de reconhecer oportunidades de automação de processos e a responsabilidade com a qualidade do código do script produzido. Assim, em minhas avaliações, incluirei perguntas específicas para cada um desses objetivos, além daquelas que contemplam o conteúdo cru.

Isso é muito difícil. Eu estou praticando agora nessa disciplina mas tenho dificuldades. Espero que com o tempo isso se torne mais fácil. Você já tentou fazer isso? Foi fácil? Compartilhe aqui sua experiência em considerar objetivos além dos conteúdos.

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